VISÃO GERAL DA DOENÇA INFLAMATÓRIA INTESTINAL
- tadeucorrea
- 11 de mai. de 2024
- 17 min de leitura
Atualizado: 17 de mai. de 2024
Tadeu Gomes Corrêa
A doença inflamatória intestinal, que abrange a doença de Crohn e a colite ulcerativa, é um quadro recidivante caracterizado pela inflamação crônica em vários locais do trato gastrointestinal, que resulta em diarreia e dor abdominal.
A inflamação resulta de resposta imunitária celular na mucosa gastrointestinal. A etiologia precisa da doença inflamatória intestinal é desconhecida, mas evidências sugerem que a flora intestinal normal desencadeia inapropriadamente uma reação imunitária em pacientes com predisposição genética multifatorial (talvez envolvendo barreiras epiteliais anormais e defesas imunitárias da mucosa). Não se identificou qualquer fator dietético, ambiental ou infeccioso. A reação imunitária envolve a liberação dos mediadores inflamatórios, incluindo citocinas, interleucinas e fator de necrose tumoral (FNT).
Embora a doença de Crohn e a colite ulcerativa sejam similares, elas podem ser diferenciadas em muitos casos (ver tabela Diferenciando doença de Crohn e colite ulcerativa). Cerca de 10% dos casos de colite não são inicialmente distinguíveis e são denominados não classificados; se um espécime patológico cirúrgico não pode ser classificado, ele é chamado de colite indeterminada. O termo colite se aplica somente às doenças inflamatórias do colo (p. ex., colite ulcerativa, granulomatosa, isquêmica, por radiação e infecciosa). A colite espástica (mucosa) é um termo inadequado aplicado a uma doença funcional, síndrome do intestino irritável.
TABELA
Diferenciação entre doença de Crohn e colite ulcerativa
Doença de Crohn | Colite ulcerativa |
Intestino delgado envolvido em 80% das vezes. | Doença é confinada ao colo. |
O reto é geralmente poupado; o envolvimento colônico é geralmentedo lado direito. | O reto é invariavelmente acometido; o envolvimento colônico é geralmente no lado esquerdo. |
Sangramento retal intenso é raro, exceto em 75 a 85% dos casos de colite de Crohn. | Sangramento retal significativo está sempre presente. |
Fístulas, massas e abscessos são comuns. | Não ocorrem fístulas. |
Lesões perianais são significativas em 25 a 35% dos casos. | Nunca ocorrem lesões perianais significativas. |
Em radiografias, a parede intestinal é afetada assimetricamente e de maneira segmentar, com áreas poupadas entre os segmentos afetados. | A parede intestinal é afetada simétrica e continuamente do reto proximal. |
A aparência endoscópica é irregular, com ulcerações discretas separadas por segmentos de mucosa com aparência normal. | A inflamação é uniforme e difusa. |
A inflamação microscópica e fissuras se estendem transmuralmente; a distribuição da lesões costuma ser altamente focal. | A inflamação é restrita à mucosa, exceto em casos graves. |
Granulomas epitelioides (tipo de sarcoidose) são detectados na parede intestinal ou linfonodos em 25 a 50% dos casos (patognomônicos). | Não ocorrem granulomas epiteliais típicos. |
Epidemiologia
A doença inflamatória intestinal (DII) afeta pessoas de todas as idades, mas geralmente começa antes dos 30 anos, com pico de incidência dos 14 aos 24 anos. A DII pode apresentar outro pico menor aos 50 e 70 anos de idade; entretanto, esse pico tardio pode incluir alguns casos de colite isquêmica.
A DII é mais comum entre pessoas de origem do norte da Europa e anglo-saxônica. É 2 a 4 vezes mais comum entre os descendentes de judeus asquenazes (aqueles da Europa Central ou Oriental) do que entre os brancos não judeus da mesma localização geográfica. A incidência é baixa na Europa central e do sul e ainda mais baixa na América do Sul, Ásia e África. Entretanto, a incidência vem aumentando em negros e latino-americanos que vivem na América do Norte. Ambos os sexos são igualmente afetados. Parentes de primeiro grau dos pacientes com DII têm um risco 4 a 20 vezes maior; seu risco absoluto pode chegar a 7%. A tendência familiar é muito maior na doença de Crohn do que na colite ulcerativa. Várias mutações gênicas conferem um risco maior da doença de Crohn (e algumas possivelmente relacionadas à colite ulcerativa) foram identificadas.
O tabagismo parece contribuir para o desenvolvimento e a exacerbação da doença de Crohn, mas diminui o risco de colite ulcerativa. A apendicectomia realizada para tratar a apendicite também parece diminuir o risco de colite ulcerativa. Anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) podem exacerbar a DII. Contraceptivos orais podem aumentar o risco de doença de Crohn. Alguns dados sugerem que a doença perinatal e a utilização de antibióticos na infância podem estar associados a um maior risco de DII.
Por razões pouco claras, as pessoas com melhor nível socioeconômico podem ter um maior risco de doença de Crohn.
Manifestações extraintestinais da doença inflamatória intestinal
Doença de Crohn e colite ulcerativa afetam outros órgãos além do intestino. A maioria das manifestações extraintestinais é mais comum na colite ulcerativa e colite de Crohn do que nos casos de doença de Crohn limitada ao intestino delgado. As manifestações extraintestinais da doença inflamatória intestinal são caracterizadas de 3 maneiras:
1. Doenças que geralmente acompanham (isto é, vêm e vão) surtos de DII: essas doenças incluem artrite periférica, episclerite, estomatite aftosa e eritema nodoso. A artrite tende a envolver grandes articulações e ser migratória e intermitente.
2. Doenças que claramente estão associadas com DII, mas aparecem de modo independente da atividade da DII: essas doenças incluem espondilite anquilosante, sacroileíte, uveítepioderma gangrenoso e colangite esclerosante primária. A espondilite anquilosante é mais comum nos pacientes de DII com antígeno leucocitário humano B27 (HLA-B27). A maioria dos pacientes com envolvimento da coluna ou do sacroilíaco tem evidência de uveíte e vice-versa. A colangite esclerosante primária, que é um fator de risco de câncer do trato biliar, está fortemente associada à colite ulcerativa ou colite de Crohn. A colangite pode aparecer antes ou concomitantemente com doença intestinal ou mesmo 20 anos depois da colectomia. A doença hepática (p. ex., esteatose hepática, hepatite autoimune, pericolangite e cirrose) ocorre em 3 a 5% dos pacientes, embora anormalidades mínimas nos testes hepáticos sejam mais comuns. Algumas dessas condições (p. ex., colangite esclerosante primária) podem preceder a DII em muitos anos e, quando diagnosticadas, devem ser seguidas de investigação imediata para eventual DII associada.
3. Doenças que são consequências da fisiologia intestinal rompida: essas doenças ocorrem principalmente na doença de Crohn grave do intestino delgado. A má absorção pode ser secundária a ressecções ileais extensas, causando deficiências de vitaminas solúveis em gordura, vitamina B12 ou minerais, resultando em anemia, hipocalcemia, hipomagnesemia, distúrbios de coagulação e desmineralização óssea. Em crianças, má absorção retarda o crescimento e desenvolvimento. Outras alterações incluem cálculos urinários secundários ao excesso de absorção do oxalato da dieta, hidroureter e hidronefrose secundários à compressão pelo processo inflamatório intestinal, cálculos biliares secundários à falha de reabsorção de sais biliares pelo íleo inflamado e amiloidose secundária ao longo processo inflamatório e supurativo.
A doença tromboembólica pode ocorrer como resultado de múltiplos fatores nas 3 categorias.
Tratamento da doença inflamatória intestinal
Cuidados de suporte
Agentes biológicos (fármacos anticitocinas)
Agentes com pequenas moléculas [p. ex., inibidor da Janus quinase, moduladores do receptor da esfingosina-1-fosfato ([S1P)]
Algumas vezes, antibióticos (p. ex., metronidazol, ciprofloxacino) e probióticos
Muitas classes de medicamentos são úteis na DII. Os detalhes de sua escolha e uso são discutidos em cada doença e em Medicamentos para doença inflamatória intestinal.
Cuidados de suporte
Muitos pacientes e suas famílias são interessados em dieta e controle do estresse. Embora existam relatos incidentais de melhora clínica com certas dietas, incluindo uma com restrição rígida de ingestão de carboidratos, ensaios controlados não demonstraram nenhum benefício consistente. O tratamento do estresse pode ser útil.
Manutenção da saúde na doença inflamatória intestinal
Imunizações
Pacientes com DII devem receber anualmente vacinação contra influenza e vacinação antipneumocócica. Aqueles com ≥ 19 anos de idade devem receber a vacina recombinante contra o herpes-zóster (1). Quando possível, deve-se administrar essa vacina antes de iniciar a terapia imunossupressora.
Deve-se administrar vacinas de rotina como tétano-difteria, hepatite A, hepatite B e papilomavírus humano de acordo com as diretrizes do Advisory Committee on Immunization Practices (ACIP).
O Centers for Disease Control and Prevention (CDC) e a Canadian Association of Gastroenterology recomendam que os pacientes com DII, incluindo aqueles sob terapia imunossupressora, recebam uma vacina contra covid-19 de RNAm.
Exames de rastreamento
Pacientes do sexo feminino que não estão recebendo terapia imunossupressora devem fazer exames para câncer cervical a cada 3 anos. Pacientes que estão recebendo terapia imunossupressora devem fazer esses exames anualmente.
Deve-se pesquisar em todos os pacientes que estão tomando ou planejam tomar fármacos imunomoduladores ou agentes biológicos câncer de pele anualmente.
Pacientes em risco de osteoporose devem ser submetidos à densitometria óssea por absorciometria de duplo feixe de raios X (DXA).
Medicamentos para doença inflamatória intestinal
5-Ácido aminossalicílico (mesalamina 5-ASA)
O 5-AAS bloqueia a produção de prostaglandinas e leucotrienos e tem outros efeitos benéficos na cascata inflamatória. Como o 5-AAS só é ativo intraluminarmente e é rapidamente absorvido pelo intestino delgado proximal, ele deve ser formulado para retardar a absorção quando administrado por via oral.
Sulfassalazina, o agente original nessa classe, retarda a absorção formando um complexo de 5-AAS com uma sulfa, a sulfapiridina. O complexo é clivado pela flora bacteriana no íleo distal e colo, liberando o 5-AAS. A porção da sulfa, porém, causa inúmeros efeitos adversos (p. ex., náuseas, dispepsia, cefaleia), interfere na absorção de ácido fólico e, ocasionalmente, provoca reações adversas graves (p. ex., anemia hemolítica ou agranulocitose e, raramente, hepatite, pneumonite ou miocardite). A diminuição reversível do número e da motilidade dos espermatozoides ocorre em até 80% dos homens. Se utilizada, a sulfassalazina deve ser fornecida junto com alimento, inicialmente em uma dosagem baixa (p. ex., 0,5 g por via oral 2 vezes ao dia) e a dose e frequência são gradualmente aumentadas ao longo de vários dias para 1 a 1,5 g 4 vezes ao dia. Os pacientes devem ingerir diariamente suplementos de folato (1 mg por via oral) e realizar hemogramas e testes hepáticos a cada 6 a 12 meses. A nefrite intersticial aguda secundária à mesalamina ocorre raramente; o monitoramento periódico da função renal é aconselhável porque a maior parte dos casos é reversível se reconhecidos precocemente.
Medicamentos que formam um complexo 5-AAS com outros veículos parecem ser igualmente eficazes, mas têm menos efeitos adversos. A olsalazina (um dímero do 5-AAS) e a balsalazida (5-AAS conjugado com um composto inativo) são quebradas pelas azorredutases bacterianas (como a sulfassalazina). Esses fármacos são ativados de preferência no colo e são menos efetivos para doenças do intestino delgado proximal. A eficácia da balsalazida em comprimido para pacientes do sexo feminino não foi demonstrada em ensaios clínicos. A olsalazina às vezes causa diarreia, em especial nos pacientes com pancolite. O problema é minimizado com escalonamento da dose e administração junto com a dieta.
Outras formas do 5-AAS utilizam revestimentos de liberação retardada e/ou prolongada do fármaco até a entrada no íleo distal e no colo. As formulações combinadas de liberação retardada e liberação prolongada podem ser administradas 1 vez ao dia; sua dosagem menos frequente pode melhorar a adesão do paciente ao esquema farmacológico. Todas essas formulações do 5-AAS são aproximadamente equivalentes do ponto de vista terapêutico.
O 5-ASA também está disponível como um supositório ou enema para proctite e doença do colo do lado esquerdo. Essas preparações retais são eficazes tanto para o tratamento agudo como para a manutenção a longo prazo na proctite e proctosigmoidite e têm benefício incremental em combinação com 5-ASA oral. Os pacientes que não toleram enemas em decorrência de uma irritação retal devem receber 5-AAS na forma de espuma.
Corticoides
Os corticoides são úteis para episódios agudos de muitas das formas de DII, quando os compostos do 5-AAS são inadequados. No entanto, os corticoides não são apropriados para a terapia de manutenção.
Utiliza-se hidrocortisona IV ou metilprednisolona para doença grave; prednisona oral ou prednisolona pode ser utilizada para doença moderada a grave. O tratamento é continuado até a remissão dos sintomas (geralmente 7 a 28 dias), e então ajustado para 20 mg uma vez ao dia. O tratamento é então diminuído para 2,5 a 5 mg por semana com base na resposta clínica e, ao mesmo tempo, instituindo terapia de manutenção com 5-AAS ou imunomoduladores. Os efeitos adversos do uso recente de corticoides em altas doses incluem hiperglicemia, hipertensão, insônia, hiperatividade e episódios agudos de psicose.
Enemas ou espumas de hidrocortisona podem ser utilizados para proctites e doença do colo esquerdo; como uma solução de enema administrada uma ou duas vezes ao dia. Deve ser retido no intestino o máximo possível; a instilação à noite, com o paciente deitado em decúbito lateral esquerdo com os quadris elevados pode prolongar a retenção e estender a distribuição. O tratamento, se eficaz, deve ser continuado diariamente por cerca de 2 a 4 semanas e então em dias alternados por 1 a 2 semanas, quando deve ser descontinuado gradualmente em 1 a 2 semanas.
Budesonida é um corticoide com metabolismo hepático de primeira passagem alto (> 90%); assim, a administração oral pode ter um efeito significativo sobre doenças do trato gastrointestinal, mas supressão adrenal mínima. A budesonida oral tem menos efeitos adversos que a prednisolona, mas não é eficaz tão rapidamente, e é classicamente utilizada para doença menos grave. Budesonida pode ser eficaz na manutenção da remissão por 8 semanas, mas ainda não mostrou ser eficaz como terapia de manutenção. O medicamento está disponível para uso na doença de Crohn do intestino delgado; e uma forma de liberação retardada com revestimento entérico está disponível para a colite ulcerativa. É encontrada também fora dos Estados Unidos como um enema.
Todos os pacientes em tratamento com corticoides (incluindo budesonida) devem receber vitamina D oral, 400 a 800 unidades/dia e cálcio, 1.200 mg/dia. Deve-se utilizar corticoides com cautela em pacientes com doença hepática crônica, incluindo cirrose, porque a biodisponibilidade e os efeitos clínicos podem ser aumentados.
Medicamentos imunomoduladores
Os antimetabólitos azatioprina, 6-mercaptopurina e metotrexato também são utilizados na terapia combinada com agentes biológicos.
Azatioprina e 6-mercaptopurina
A azatioprina e seu metabólito 6-mercaptopurina inibem a função das células T e podem induzir apoptose de células T. São eficazes a longo prazo e podem diminuir a necessidade de corticoterapia e manter a remissão por anos. Estes fármacos muitas vezes precisam de 1 a 3 meses para produzir benefícios clínicos, de modo que os corticoides não podem ser interrompidos completamente pelo menos até o 2º mês. A dosagem varia dependendo do metabolismo individual. Deve-se reduzir a dose de azatioprina ou 6-mercaptopurina em 50% e ajustada com base na resposta clínica e monitoramento hematológico em pacientes que são metabolizadores intermediários.
Os efeitos adversos mais comuns são leucopenia, náuseas, vômitos, diarreia e mal-estar. Os sinais de supressão medular devem ser monitorados com hemogramas regulares (duas vezes/semana durante 1 mês, depois a cada 1 a 2 meses). Ocorrem pancreatite ou febre alta em cerca de 3 a 5% dos pacientes; ambos são uma contraindicação absoluta à readministração. Hepatotoxicidade é rara e pode ser avaliada por exames de sangue a cada 6 a 12 meses. Esses fármacos estão associadas a maior risco de linfoma e cânceres cutâneos não melanomas.
Antes de iniciar esses medicamentos, os pacientes devem passar por testes para medir a atividade da tiopurina metiltransferase (TPMT), uma enzima que converte a azatioprina e a 6-mercaptopurina em seus metabólitos ativos 6-tioguanina (6-TG) e 6-metilmercaptopurina (6-MMP). Os pacientes também devem passar por testes de genotipagem para conhecer as variantes de baixa atividade dessa enzima. Depois de iniciar esses fármacos, é útil medir os níveis de 6-TG e 6-MMP para ajudar a garantir dosagens seguras e eficazes dos fármacos. A eficácia terapêutica se correlaciona com níveis de 6-TG entre 230 e 450 picomoles por 8 x 108 eritrócitos. Pode ocorrer mielotoxicidade quando os níveis de 6-TG forem > 450. Pode ocorrer hepatotoxicidade quando os níveis de 6-MMP forem > 5.700 picomoles por 8 × 108 eritrócitos. As concentrações dos metabólitos também são úteis em pacientes não responsivos para distinguir a falta de adesão da resistência.
Metotrexato
O metotrexato é eficaz para muitos pacientes com doença de Crohn refratária a corticoides ou dependentes de corticoides, mesmo aqueles que não respondem à azatioprina ou 6-mercaptopurina.
Os efeitos adversos incluem náuseas e vômitos e alterações em estes hepáticos sem sintomas. Folato, 1 mg por via oral uma vez ao dia, pode diminuir alguns dos efeitos adversos. Mulheres e homens que tomam metotrexato devem garantir que a parceira use um método contraceptivo eficaz, como um dispositivo intrauterino, um implante contraceptivo ou um contraceptivo oral. Deve-se desencorajar métodos menos eficazes de contracepção, como preservativos, espermicidas, diafragmas, capuzes cervicais e abstinência periódica. Além disso, as mulheres e, talvez, seus parceiros devem parar de tomar metotrexato por pelo menos 3 meses antes de tentativas de gestação. Deve-se fazer hemogramas e testes hepáticos com albumina mensais durante os 3 primeiros meses do tratamento e então a cada 8 a 12 semanas durante o tratamento. Uso de álcool, hepatites B e C, obesidade, diabetes e, possivelmente, psoríase são fatores de risco de toxicidade hepática. Preferencialmente, os pacientes com essas condições não devem ser tratados com metotrexato. Biópsias hepáticas pré-tratamento não são recomendadas; são feitas se os resultados de 6 de 12 testes realizados em um período de 1 ano mostrarem níveis elevados de aspartato aminotransferase (AST). Mielossupressão, toxicidade pulmonar e nefrotoxicidade também podem ocorrer no tratamento com metotrexato.
Ciclosporina e tacrolimo
Ciclosporina, que bloqueia a ativação de linfócitos, pode ser benéfica para pacientes com colite ulcerativa grave não responsiva a corticoides e agentes biológicos que, do contrário, podem exigir colectomia. Seu único uso bem documentado na doença de Crohn é para pacientes com fístulas refratárias ou piodermite. O uso a longo prazo (> 6 meses) é contraindicado pelos múltiplos efeitos adversos (p. ex., toxicidade renal, convulsões, infecções oportunistas, hipertensão, neuropatia). Em geral, pacientes com colite ulcerativa grave que não respondem a corticoides e agentes biológicos não recebem ciclosporina, a menos que haja razão para evitar a opção mais segura e curativa da colectomia. Se esse fármaco for utilizado, seus níveis plasmáticos devem ser mantidos entre 200 e 400 ng/mL (166 a 333 nmol/L) e a profilaxia para Pneumocystis jirovecii deve ser considerada durante o período de tratamento concomitante com corticoide, ciclosporina e antimetabólito.
O tacrolimo, um imunossupressor também utilizado em pacientes que sofreram transplantes, parece ser tão eficaz quanto a ciclosporina e pode ser considerado para uso em pacientes com colite ulcerativa grave ou refratária que não exige hospitalização. Deve-se manter níveis séricos mínimos entre 10 e 15 ng/mL (12 a 25 nmol/L). Pode-se administrar tacrolimo para o tratamento a curto prazo de fístulas perianais e cutâneas na doença de Crohn.
Agentes biológicos
Anti-TNF
Infliximabe, certolizumabe e adalimumabe são anticorpos contra fator de necrose tumoral (TNF). O infliximabe, o certolizumabe e o adalimumab são úteis na doença de Crohn, particularmente para prevenir ou retardar a recorrência pós-operatória. Esses agentes podem ser úteis na doença de Crohn; além disso, infliximabe, adalimumabe e golimumabe são benéficos na colite ulcerativa para doença refratária ou dependente de corticoides.
O infliximabe é eficaz para doença de Crohn e colite ulcerativa e é administrado como infusão IV única de 5 mg/kg ao longo de 2 horas. Ele é seguido por infusões repetidas em 2 e 6 semanas. Subsequentemente, ele é administrado a cada 8 semanas. Para manter a remissão em muitos pacientes, senão na maioria, a dose precisa ser aumentada ou o intervalo precisa ser reduzido mais ou menos depois de um ano. O nível sérico terapêutico aceito é > 5 mcg/mL.
O adalimumab é eficaz para doença de Crohn e colite ulcerativa. Administra-se com uma dose inicial de 160 mg por via subcutânea e então 80 mg por via subcutânea em 2 semanas. Após essa dose, 40 mg por via subcutânea são dados a cada 2 semanas. O nível sérico terapêutico aceito é > 7,5 mcg/mL. Os pacientes que são intolerantes ou perderam sua resposta inicial ao infliximabe podem responder ao tratamento com adalimumab.
O certolizumabe é eficaz para uso na doença de Crohn. Administra-se como 400 mg, por via subcutânea a cada 2 semanas por três doses e então a cada 4 semanas para manutenção. Os pacientes que são intolerantes ou perderam sua resposta inicial ao infliximabe podem responder ao certolizumabe. O nível sérico terapêutico aceito é > 20 mcg/mL.
O golimumab é eficaz para uso em pacientes com colite ulcerativa. É administrado com uma dose inicial de 200 mg por via subcutânea e então 100 mg por via subcutânea em 2 semanas. Após essa dose, 100 mg são dados a cada 4 semanas. Pacientes que são intolerantes ou perderam sua resposta inicial ao infliximabe podem responder ao tratamento com golimumabe.
A monoterapia com agentes anti-TNF é claramente eficaz para a indução e manutenção da remissão, mas alguns estudos sugerem melhores resultados quando os agentes anti-TNF são iniciados em combinação com uma tiopurina (p. ex., azatioprina) ou metotrexato. No entanto, dado o possível aumento dos efeitos adversos com a terapia combinada, as recomendações de tratamento devem ser individualizadas. A redução dos corticoides pode começar após 2 semanas. Os efeitos adversos durante a infusão (reação de infusão) incluem reações de hipersensibilidade imediata (p. ex., exantema, prurido, às vezes reações anafiláticas), febre, calafrios, cefaleia e náuseas. Reações de hipersensibilidade tardia também ocorreram. Os fármacos anti-TNF administrados por via subcutânea (p. ex., adalimumabe) não causam reações de infusão, embora possam provocar eritema local, dor e prurido (reação no local de injeção).
Vários pacientes morreram de sepse após o uso de anti-TNF, de modo que esses fármacos são contraindicados quando há infecção bacteriana não controlada. Além disso, uma reativação da tuberculose e hepatite B tem sido atribuída aos fármacos anti-TNF; portanto, é necessário rastreamento à procura de tuberculose latente (com PPDs e/ou ensaio de liberação de interferon-gama) e de hepatite B antes do tratamento. É aconselhável documentar a imunidade à varicela. Alguns médicos também recomendam testes sorológicos para o vírus de Epstein-Barr e citomegalovírus.
Linfoma e possivelmente outros cânceres (p. ex., câncer de pele não melanoma), doença desmielinizante (p. ex., esclerose múltipla, neurite óptica), insuficiência cardíaca e toxicidade hepática e hematológica são outras potenciais preocupações em relação ao tratamento com fármacos anti-TNF.
Outros agentes biológicos
Vários anticorpos anti-interleucina e interleucinas imunossupressores também podem diminuir a resposta inflamatória e estão sendo estudados para doença de Crohn.
O vedolizumabe e o natalizumabe são anticorpos contra moléculas de adesão leucocitária. O vedolizumabe está disponível para uso na colite ulcerativa moderada a grave e na doença de Crohn. A dose recomendada de vedolizumabe IV é 300 mg em 0, 2 e 6 semanas e depois a cada 8 semanas. Acredita-se que seu efeito limite-se ao intestino, tornando-o mais seguro do que o natalizumabe, que só é utilizado como um fármaco de 2ª linha por meio de um programa de restrição de prescrição para os casos mais refratários de doença de Crohn. O nível sérico terapêutico aceito de vedolizumab é > 20 mcg/mL. Esses medicamentos podem causar reações de hipersensibilidade e aumentar o risco de infecções. Atualmente, o natalizumabe está disponível apenas por meio de um programa de uso restrito, pois aumenta o risco de leucoencefalopatia multifocal progressiva (LMP). O vedolizumabe tem risco teórico de LMP porque está na mesma classe de medicamentos que o natalizumabe.
O ustecinumabe, um anticorpo anti-IL-12/23, está disponível para pacientes com doença de Crohn moderada a grave ou colite ulcerativa. A dose de carga inicial é uma dose única IV com base no peso:
< 55 kg: 260 mg
55 a 85 kg: 390 mg
> 85 kg: 520 mg
Após a dose de ataque, os pacientes recebem uma dose de manutenção de 90 mg por via subcutânea a cada 8 semanas.
Outra anticitocina, a anti-integrina, agentes com pequenas moléculas e fatores de crescimento estão sendo investigados, bem como o tratamento com leucoférese para depletar os imunócitos ativados.
O ustecinumabe, um anticorpo anti-IL-12/23, está disponível para pacientes com doença de Crohn moderada a grave ou colite ulcerativa. A dose de indução é de 600 mg IV nas semanas 0, 4 e 8. A dose de manutenção é de 180 a 360 mg por via subcutânea na 12ª semana e a cada 8 semanas depois disso. Recomenda-se o uso da dose mais baixa que mantém a remissão endoscópica. Testes hepáticos devem ser feitos no início e durante o período de indução.
Biossimilares são medicamentos biológicos muito semelhantes a um produto biológico de referência. Há biossimilares dos fármacos anti-TNF disponíveis no mercado.
Agentes com pequenas moléculas
Agentes com pequenas moléculas são medicamentos com peso molecular < 1 quilodalton. Alguns destes agentes estão agora em uso ou em desenvolvimento para o tratamento da DII. São administrados por via oral e não têm a imunogenicidade associada aos anticorpos monoclonais.
O tofacitinibe é um agente de pequena concentração que inibe a atividade da enzima Janus quinase 1–3 e está disponível para pacientes adultos com colite ulcerativa moderada a grave. A dose inicial da forma de liberação imediata é 10 mg por via oral 2 vezes ao dia por pelo menos 8 semanas, seguido de 5 ou 10 mg por via oral 2 vezes ao dia. A dose inicial da forma de liberação prolongada é 22 mg por via oral uma vez ao dia por pelo menos 8 semanas, seguido de 11 mg por via oral uma vez ao dia. Os potenciais efeitos adversos são aumento dos níveis de colesterol, diarreia, cefaleia, herpes-zóster (cobreiro), aumento da creatinofosfoquinase sérica, nasofaringite, exantema e IVRS. Outros efeitos adversos incomuns são câncer e infecções oportunistas. Além disso, o FDA (U.S. Food and Drug Administration) alertou sobre aumento do risco de embolia pulmonar fatal e morte nos pacientes com artrite reumatoide.
O upadacitinibe é um agente de pequenas moléculas que inibe seletivamente a Janus quinase 1. Isso inibe a sinalização relacionada com a IL-6 e o IFN-gama, resultando em menos efeito na depleção de células NK do que outros agentes de pequenas moléculas como o tofacitinibe. Para a colite ulcerativa a dose de indução é de 45 mg, 1 vez/dia, durante 8 semanas; para a doença de Crohn, é de 45 mg, 1 vez/dia, durante 12 semanas; a dose de manutenção para colite ulcerativa e doença de Crohn é 15 mg 1 vez/dia e pode ser titulada para 30 mg 1 vez/dia em pacientes com doença refratária, grave ou extensa. A medicação deve ser interrompida se a remissão não for alcançada com a dose de 30 mg. Os efeitos colaterais mais comuns são acne vulgar, foliculite, infecção do trato respiratório superior, hipersensibilidade, náuseas e dor abdominal. Em geral, os efeitos colaterais são semelhantes aos de outros inibidores da Janus quinase (JAK) (p. ex., tofacitinibe).
Ozabenode é um modulador do receptor da esfingosina-1-fosfato (S1P) e é utilizado em adultos com colite ulcerativa ativa moderada a grave. A dose inicial é 0,23 mg por via oral uma vez ao dia nos dias 1 a 4, então 0,46 mg por via oral 1 ao dia nos dias 5 a 7. A dose de manutenção é 0,92 mg por via oral uma vez ao dia a partir do dia 8. Se uma dose é esquecida durante os primeiros 14 dias do tratamento, deve-se reiniciar o esquema de titulação com 0,23 mg por via oral uma vez ao dia. Se uma dose é esquecida após 14 dias de tratamento, deve-se continuar o tratamento como recomendado. O ozanimode é contraindicado a pessoas que tiveram um infarto agudo do miocárdio nos últimos 6 meses ou que têm outros problemas cardíacos, como angina instável ou insuficiência cardíaca. Esse fármaco também é contraindicado para pessoas com os seguintes distúrbios do sistema de condução cardíaco: bloqueio de 2º grau de Mobitz tipo II, bloqueio atrioventricular de 3º grau, síndrome do nó sinusal ou bloqueio sinoatrial, a menos que tenham marca-passo funcional. Deve-se evitar o ozanimode em pessoas que tiveram um acidente vascular encefálico ou ataque isquêmico transitório nos últimos 6 meses. Também deve-se evitar o ozanimode em pessoas com apneia do sono não tratada grave e naqueles em uso de um inibidor da monoamina oxidase. O ozanimode pode aumentar o risco de infecções, causar bradiarritmia, diminuir a contagem de linfócitos e provocar lesão hepática. ECG e testes de anticorpos contra o vírus da varicela zóster devem ser feitos antes do início do tratamento com ozanimode.
Antibióticos
Antibióticos são úteis na doença de Crohn, mas têm uso limitado na colite ulcerativa, exceto na colite tóxica. O metronidazol 500 a 750 mg por via oral 3 vezes ao dia por 4 a 8 semanas pode controlar a doença de Crohn leve e ajudar a cicatrizar fístulas. Entretanto, efeitos adversos (em particular a neurotoxicidade) muitas vezes podem impedir a complementação do tratamento. O ciprofloxacino, 500 a 750 mg por via oral 2 vezes por dia pode ser considerado menos tóxico. Alguns especialistas recomendam metronidazol e ciprofloxacino em combinação. A rifaximina, um antibiótico não absorvível, em uma dose de 200 mg por via oral 3 vezes ao dia ou 800 mg por via oral 2 vezes ao dia, também pode ser benéfica como tratamento para a doença de Crohn ativa.
Referências gerais
Aaron E. Walfish, MD, Mount Sinai Medical Center;
Rafael Antonio Ching Companioni, MD, HCA Florida Gulf Coast Hospital
Bernstein CN, Rawsthorne P, Cheang M, et al: A population-based case control study of potential risk factors for IBD. Am J Gastroenterol 101(5):993-1002, 2006. doi: 10.1111/j.1572-0241.2006.00381.x
Schiff ER, Frampton M, Semplici F, et al: A new look at familial risk of inflammatory bowel disease in the Ashkenazi Jewish population. Dig Dis Sci 63(11):3049-3057, 2018. doi: 10.1007/s10620-018-5219-9
Neil Murthy, A. Patricia Wodi, Sybil Cineas, et al: Recommended adult immunization schedule, United States, 2023. Ann Intern Med 176:367-380, 2023. doi:10.7326/M23-0041
Advisory Committee on Immunization Practices (ACIP): informações sobre recomendações e diretrizes de vacinação de rotina e atualizações específicas relacionadas com vacinas
Canadian Association of Gastroenterology: Clinical practice guideline for immunizations in patients with inflammatory bowel disease—Part 2: Inactivated vaccines (2021)
Comments